quinta-feira, 15 de junho de 2017

Instintivamente Sedentário


     A calmaria nos amolece. Um ser humano não se torna apropriadamente capaz de enfrentar os desafios de uma vida naturalmente aleatória se ele adentrar num profundo estado de letargia. Às vezes, sinto-me tão dormente que nem ao menos consigo saber se estou vivo. Torno-me um amontoado de nada — fruto de uma concebível inexistência. É, na verdade, impossível determinar se existo ou se toda realidade em torno de mim se colapsou e transformou-me numa singularidade do espaço-tempo.
     A realidade é que o nosso cérebro instintivo precisa ser constantemente treinado. E nem mesmo quantidades infinitas de informação e conhecimento podem ensiná-lo a ser mais forte. A prática o cria. Mas não há muitas formas de exercitá-lo nos dias de hoje, onde passamos mais tempo encurvando o pescoço para uma tela negra do que para a porra do céu. A evolução nos tornou tão forte, tão fisicamente capazes de aniquilar, e transformamos tudo num jogo intelectualmente complexo. Surge assim uma pergunta, feita para uma ocasião específica: como então, através da intelectualidade, uma pessoa pode enfrentar outra que simplesmente não recorre ao uso de suas faculdades mentais, mas sim da força bruta e da agressividade instintiva? Por exemplo: num assalto é quase impossível negociar com um meliante estúpido e completamente ignorante à sabedoria da vida, porque ele simplesmente não desenvolveu nem mesmo a capacidade de ponderar logicamente a respeito de suas ações. Estaria então tentando conversar com um animal de consciência, porém ilógico e puramente bestial? E você, ser tão mentalmente desenvolvido, provavelmente se tornará um mísero inseto perante a tamanha experiência prática das partes instintivas do assaltante.
     A pura inteligência, como única característica de um ser humano, é débil e quase insignificante, e em uma situação de estresse, principalmente em necessidades de reflexo rápido e efetivo, ela simplesmente lhe abandonaria e se esconderia para o lugar mais profundo de sua mente, a fim de, mais tarde, amargurá-lo durante insuportáveis períodos de tempo e culpar a parte espontânea por não ser capaz de pensar e contra-atacar quase que cinematicamente. A lógica te trará tanta tortura que você se sentirá um inútil e, paradoxalmente, estúpido. Por motivos quase surreais, o bandido ignorante passará a ser superior por conseguir agir violentamente, e você não. Não há treinamento para a maldade senão a própria maldade. E nós, seres de consciência exagerada, tão imersos em nossos universos próprios, somos recém-nascidos no que se diz à reação. Somos tão autoconscientes que o menor ato de agressividade desestruturaria todo o nosso conceito moral, elaborado meticulosamente durante anos. No fim, chegaríamos ao pensamento de que reequilibrar a balança com mais violência simplesmente não serviria para nada, apenas arruinaria a nossa vida e toda a tranquilidade vagarosamente cultivada nela. Que o mundo, por si só, com seu fantástico karma, o vingaria através de uma justiça implacável e extraordinariamente generosa com os bons. É claro que o ditado "quem planta, colhe" é verdadeiro. Entretanto não nestes sentidos de bem e mal. Porque o mundo não é uma entidade capaz de raciocinar, mas sim uma cadeia de ação e consequência. Criaram a justiça, as leis, com esse propósito. O problema dessas criações humanas é que elas são julgadas por — adivinhe só! — humanos. Necessita do conhecimento de um para julgar o outro, pois a natureza também não é uma entidade racional. O que acontece quando o assaltante, com seus incríveis níveis de instintividade, comete um ato invisível? Um ato tão oportunamente sem plateia e covarde que jamais haveria alguém para dizer que de fato aconteceu, senão a própria vítima? Afinal, se é apenas um contra um, quem poderia ganhar? Já que suas armas se limitam à inteligência — característica nada veloz em se defender fisicamente — e as do meliante à força natural? E o melhor está por vir: a violência é totalmente crível para você, pois você também a possui, embora em níveis menores; porém a inteligência (a arte de raciocinar tão profundamente sobre a vida e as coisas, aquilo que você faz tão bem!) é, de fato, limitada e negligenciada pelo agressor? Você o entende, e ele não o compreende.
     Rezar? Suplicar por uma intervenção divina? Isso não iria completamente contra todos os seus princípios de inteligência? Ora, alguém tão interessado em livros e em todas as incríveis façanhas de corajosos protagonistas deveria saber o que fazer! Por que não aplicar aquele golpe certeiro na mão que empunha a arma e fazê-la voar velozmente pela rua? Puxar o seu braço, virar o bandido e lhe encaixar um mata-leão? Por quê? É obvio: medo. É isso o que acontece quando a sua parte animalesca do cérebro não é suficientemente desenvolvida: o medo cresce. Dizem que, numa situação de estresse, existem três escolhas padrões para o cérebro: a primeira é fugir, a segunda é paralisar e a terceira e última é atacar. A partir daí surgem algumas variações, é claro — embora não devamos interpretar literalmente. Fugir não é só correr, paralisar não é só congelar e atacar não é só infringir dano físico a alguém. Fugir é saber se esquivar, paralisar é saber enganar, atacar é saber resolver. Mas seres incrivelmente desenvolvidos, de intelectos a dar inveja, não possuem a mínima ideia disso. Para eles — ou melhor dizendo: para nós —, fugir é correr, paralisar é congelar e atacar é machucar. E para nosso azar: somos especialmente bons em congelar. A quantidade de planos em nossa mente é tanta que escapar torna-se secundário e planejar essencial. O que fazer? O que fazer? O que fazer? E aí você congela. O fluxo ininterrupto de interrogações evita qualquer resposta de sair. E todo o fato se desenrola através de seus olhos como num filme onde você é apenas o espectador e só tem o direito de reclamar mais tarde, no fim da sessão. Uma amargura assustadoramente brutal e maligna aparece.
     Após o término, quando a sua covarde parte intelectual ressurge, você deseja voltar no tempo e, então, com todas as maneiras de reagir em mente — e isso só depois que os atos do evento foram expostos e determinados —, lutar. Mas tudo o que você faz é amaldiçoar, pois para isso sua mente foi treinada, para isso você é bom. Reclamar! Como estou fazendo agora. Refletindo sobre cenas que não posso dirigir, que não posso reescrever, apenas assistir. A passividade agredindo. E às vezes há um sentimento tão repulsivo de impotência que a preferência de levar um tiro por burrice a não fazer nada parece ter mais sentido. Mas não há como ter desejos profundos de morte quando antes você implorava pela vida.
     Certo?

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