sábado, 7 de junho de 2025

A Culpa de Junho

Entrelaçado por uma noite branda, prédios inacabados, em plena inércia de construção, cheguei ao meu destino. Destino este que constantemente alertava semáforos amarelados em seu trajeto. Não um, dois, mas três ou quatro. “Que coincidência”, pensei, preso em superstição. “Eis a vida em seu mistério, se comunicando por sinais comigo.” Não era uma comunicação cósmica — somente uma amálgama de devaneios de quem há pouco se convencera de que era apto a participar de um evento social.


Entre estruturas metálicas, encontrava-se o "evento". Do lado de fora, bandeirolas já cruzavam o estacionamento e se estendiam diante de ruas secas e escuras, porém quentes. Para entrar, deduzia-se de sua carteira uma quantia simbólica de vinte e cinco, e lhe entregavam um papelzinho nada convincente de sua própria autoridade. Antes de penetrar nesse mundo de festividade ordenada, luzes exaltadas e barulho junino, encontrei-me com a pessoa que fez minha vida encontrar seu divisor.


E, embora o meu temor primário não tenha se concretizado com as forças da minha paranoia, jazi ali, por um instante, inequivocadamente próximo e abundantemente distante. Ainda processava, em terrenos afastados, o partir do meu coração. Ainda sentia suas microfissuras se expandindo e abrindo, cáustica e sangrenta, uma úlcera. Eu morreria? De longe que não, mas sentiria que sim. E, talvez, a sua morte só comece verdadeiramente quando o seu espírito é aniquilado. O corpo sempre vem em segundo lugar. Ninguém morre primeiro de corpo — isso eu ressalto e deixo claro.


Entrar e caminhar por corredores das mais diversas criaturas não foi imensamente difícil. Para um homem ansioso, basta uma tragédia para que todo o mundo se torne uma medida menor; para que a importância e a expectativa da ansiedade percam sua relevância diante de um grau de sofrimento muito maior. Assim que nos comunicamos perante a existência: em graus e elevações. Com a motivação catastrófica correta, o temor social torna-se irrelevante. Caísse em você um pedaço de tijolo solto das construções, ou um poste, e te partisse o crânio, com muita certeza desfrutaria dessa casualidade com o maior nível de prazer mórbido.


Quem sabe não era esse princípio mórbido que mais me causava alívio e felicidade naquele momento. Saber que, independentemente do resultado das minhas preces, haveria um lugar para mim logo depois. Mas mentiria em dizer que, de certa forma, não me senti acolhido pelas estranhezas dos meus arredores. Especialmente por uma estranheza em específico, quase uma singularidade por existência, que foi a minha maior companhia da noite. A gente não espera, às vezes, que as pessoas mais distintas possam soar as mais belas, pois há uma beleza não especificada nas letras dos gregos, ou em qualquer tipo de letra — a beleza que provém da presença.


Se de mim viesse a sensação de estranheza, isso era meramente uma consequência do meu pouco convívio com os indivíduos de outras vidas, visto que a existência sempre foi casa de milhões — e eu não representava um. E, por algumas horas que derretiam e se remodelavam a cada olhadela no smartwatch, eu tive a bênção da beleza que provém da presença desta pessoa. Neste momento, apagava-se em fumaça tudo o que circundava; nem as luzes fortes, a multidão fora de moda, a quadrilha, os cantores que forçavam o sotaque, o cheiro penetrante de cigarro e a comida passada no óleo — nada disso me incomodou. Pareceu casa. E, neste momento, secretamente desejei que as horas parassem, ou que pelo menos se alongassem, e que eu pudesse permanecer ali, açoitado sob medidas pelo frio, mais um pouco com essa pessoa. E, quem dirá, tenha ansiado em segredo, também, que ficasse só com ela — e mais ninguém.


Mas havia ainda um último destino, o qual não me oferecia fuga. Em algum momento, em algum horário, eu teria de enfrentá-lo — e o mundo tinha reservado todas as suas horas para isso. Chegava o momento da despedida.


Antigamente, em minha mais elevada autoestima, passava em minha cabeça o seguinte pensamento: quando você morre, o mundo apaga junto. Qualquer existência posterior não pode ser provada porque o único observador dela deixou de existir. Hoje, contudo, sei que isso é uma tentativa fugaz, amedrontada, de se despedir. As vidas permanecem. As vidas seguem. Despeça você delas, do mundo, ou não; elas não desaparecem com você. A sua morte não tem peso — você é uma grama em uma tonelada cósmica.


Caminhamos por entre as ruas estereotipadas, cruzamos por várias sombras e paramos em uma porta de uma casa. O som junino mudou para um ruído branco atmosférico do vento, para cães ladrando e defendendo seus territórios com covardia. Pouco se passou, e estávamos já em outro recinto, cercado por arte psicodélica em miniatura. “Mais esta parada”, pensei, “e terei de dizer adeus.”


Profundo em meditação, mas ainda desejando calor e companhia, tentei disfarçar a minha estranheza com sorrisos e acenos. Tentei soar entendido, embora não compreendesse um santo pingo do que conversavam. Eu sabia do que conversavam — possivelmente detinha mais conhecimento do que desejava daquilo que falavam —, mas brigava internamente. A mesma ambivalência que me levou à ruína no passado: a urgência de viver.


E eu pergunto a você: a urgência de viver deve ser brutalmente ignorada e suprimida por uma elevação moral e ética maior?


O meu autocontrole nunca funcionou. É uma habilidade fantasma que disseram que eu tinha. Mentiram. Eu não a possuo. Contudo, certamente há pessoas que a têm, e em alto nível de desenvolvimento. A falta desta aptidão, no entanto, traz uma terrível consequência moral chamada culpa. E, aparentemente, eu sou profissional nela. A tal nível, que já deixei muitas vezes de existir e me tornei um espectro fantasmal, ruído, carcomido, mutante e desordenado, que anseia por presença — mas a espanta.


As horas que roguei por pararem, aceleraram. Os ânimos mudaram. Era o fim; a despedida. Demos um último abraço. O quão quente e perfumado eu o sinto. E, no sutil silêncio tilintoso do carro, voltei para o meu verdadeiro lar: a solidão.

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