zerochan |
Sei que minha vida está condenada a ser inteiramente solitária; em cada aspecto, em cada âmbito, em absolutamente cada curva. E ter consciência do agravamento ininterrupto desta doença não a diminui, de forma alguma. Sim, de fato refiro-me a ela como uma doença - e não uma condição social. Considere o seguinte: enfermidades são sempre espontâneas e, de certa forma, inconscientes de vontade. Embora tenham causas, quase nunca são provocadas intencionalmente. Não me permito mergulhar na solidão por mera pilhéria, estou submerso porque fui engolido involuntariamente pelo mar. Portanto, saber que está se afogando não altera o evento de que, neste exato momento, água invade os seus pulmões e te sufoca até à morte. Na verdade, a consciência do sufoco é o princípio do desespero e, portanto, do aprofundamento. Quanto mais se conhece a própria condição enferma, mais tende-se a inibir a recuperação; dado que somos naturalmente propensos ao declínio - e não à redenção. Trata-se de facilidade, e facilidade é lustrosamente atrativa.
Não consigo visualizar-me com ninguém, no fim, sem retorcer-me de desprezo e salivar de angústia. Parece-me impossível encontrar uma alma suficientemente capaz de encarar, frente a frente, infinitas dores congênitas de minhas jornadas aos caminhos sombrios e psicológicos da solidão. Não neste mundo onde a ilusão é a salvadora de existências e relacionamentos. Sei disso! Sei que sou abundantemente insuportável, irreparavelmente tedioso! E que minhas manias filosóficas ferem qualquer banalidade amável. Reconheço que mesmo quando estou feliz, não demorará para desmanchar-me em melancolias súbitas e insignificativas e estragar o momento. Não sou merecedor do amor, nem da mais sincera demonstração de afeto. Não acho que seja, sinceramente. Sabe quando, de alguma forma misteriosamente sensitiva, você não se enxerga como um escolhido do apego? E que foi condenado, seja por uma força mística e divina ou apenas pela improbabilidade, a perseguir e se contentar com o castelo apodrecido do afastamento, do isolamento eterno, onde você, como indivíduo, foi reduzido a uma insignificância pseudo-humana? E muitas risadas eu já dei por dizerem-me o contrário. De dizerem: independentemente do quão certo você esteja da eternidade de seu isolamento, tenha ele uma natureza forçada ou inata, um milagre lhe fará encontrar alguém e mandar para o inferno tudo aquilo que outrora significou verdade. Gargalho justamente por compreender que o meu azar amoroso é indescritivelmente encurvado e único, pois não somente é uma maldição da vida como um sentenciamento próprio. Por algum motivo, talvez puramente cômico, condenei-me a abraçar o azar como resolução de vingança definitiva com a vida. Sim, vingo-me dela por pura raiva e graça. Oras! Não valeria a pena ser, por tantos períodos de existência, menosprezado se o intuito final é uma parcela de redenção medíocre. Ó, tome, meu filho da dor, aquilo que lhe proibi por tantos anos - e sem orgulho engula meus restos. Seja grato, pois por apenas maldade ofereço esta oportunidade para sorrir, visto que minha piedade não estende para além do agora.
Prefiro sofrer por escolha do que ser submisso pelo humor satírico e paradoxal desta sociedade poliamor. Admito possuir defeitos monstruosos, trejeitos maníacos, e, com muito orgulho infeliz, me sinto intimamente seguro. Entretanto, admitir não soterrará os desejos. Afinal, como surgem! E como infernalmente nos afetam! Se ter consciência da enfermidade já é incômodo o bastante para convulsionar arrogantes, saber que muitas oportunidades serão miseravelmente descartadas por você ser quem você é transmitirá senão uma insuportável sensação de inexistência e impotência. Pois, além de tudo, você não está sozinho por escolha. E quando a solidão é involuntária, certamente há um desesperado anseio para se rumar à saída. Repulsamos o que temos.
Não confundo, também, meu desespero com indiferença, pois estou legitimamente desesperado. Por todas as coisas das quais me acostumei a dizer inverdades odiosas. Ou ao menos distorcer. Amaldiçoar, reclamar, é uma estratégia dos incapazes e dos frustrados, não mostra ponderação ou sequer inteligência e bom senso, mas uma distorção de sentimentos direcionados a preencher dependências emocionais. Tendenciosidade é tudo aquilo que os odiosos do amor, como eu, garantem em expressividades viscerais semelhantes a esta. E fazem, da exata maneira na qual indiquei anteriormente, por vingança. Estão o tempo todo se vingando. Não têm qualquer alvo concreto! Querem apenas descarregar a frustração de serem os incompreendidos, de terem sido os namorados da desesperança. Como haveria de ter credibilidade em uma dissertação sobre a invalidez do amor se a mesma é pautada apenas nas memórias desamorosas do autor?
Não quero conclusão. Não quero chegar a lugar algum. Eu poderia, com toda sinceridade do mundo, exclamar: embora sejamos fracos de fé, o amor sempre desenvolve um jeito de penetrar as almas mais melancólicas! Contudo, estaria sendo infiel às minhas opiniões se me expressasse assim. O amor aparecerá, sim, para qualquer um de nós. Porque amar não é sorte, é azar - é estar doente. E somos azarados, se lembra? Principalmente em ficar adoecidos. Não estamos perseguindo o amor, ele está nos caçando, galhofando com os nossos critérios; e intencionalmente se afastar não se trata sobre sofrer, e, sim, adiar a destruição irremissível que transborda nesse sentimento. É um gatilho despercebido. Estar amorosamente isolado é exclusivamente o seu espírito trabalhando para se manter sóbrio e indivisível, porque o espírito sabe que em um dia ou em uma noite você não será capaz de desviar do infortúnio de amar e estará condenado imutavelmente a viver com alguém, a ser coletivo, a estar em constante companhia, quando se nasce só e merecidamente necessita acabar assim; não inaturalmente, não nesse encerramento televisivo; só, agonizando no deleite mais descomunal de solidão - eterno e uno.
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