domingo, 6 de maio de 2018

A Fuga do Absurdo

zerochan link

     Às vezes, tenho a intrusiva sensação de que converso, metafisicamente, com o mundo e o universo, e que, embora muitas de minhas dúvidas sejam parcialmente esclarecidas por meio deste cósmico poder, foge-me a capacidade, como a maldição de um dom, de controlar os seus efeitos colaterais. Pois se há algo colateral, é, claramente, conhecer o invisível e determinista complô formado pelo universo. Se este infindável espaço negro não exercesse tanta influência em nós, poderíamos presumir que haveria de existir uma piscadela de consciência alienígena num desses cernes interestelares regendo uma saudosa ode à vida. Mas quem ou o que se importaria em tal grau conosco? Porém não há nada mais consciente do que o próprio indivíduo capaz de questionar consciências de outros mundos. É tão ciente de sua capacidade, mas, ao mesmo tempo, indiferente à própria ilusão de conscientizar o que não fora feito para possuir consciência. É extremamente assustador pensar que a normalidade é intrínseca da criação, e que é, por sua vez, inerente da banalidade. Quando assumimos o caos da casualidade, também admitimos o trágico fato de que não somos especiais. E que não somos nem mesmo uma poeira cósmica, nem mesmo um átomo de importância. Da escuridão surgimos devastadoramente apavorados, paralisados pelo medo do vazio eterno, da falta de significado e da ínfima quantidade de luz invasiva neste vácuo.
     Se um indivíduo perde o seu amparo, para dois caminhos tenderá a seguir: a busca de um novo amparo ou a aceitação da queda. Muitos de nós, presos a este frio espacial, se viram determinados a amparar as suas causas. Afinal, não poderia ser coincidência tudo isso. Um erro milagroso de algo que nem próprio consegue considerar que existe? Sim, pois se o universo não possui modos conscientes de operação, mas puramente espontâneos, não poderia validar a sua própria existência — nem pela própria lamúria de seus atos desenfreados. Existe sem existir. E logo, o ser humano desenvolvido, apto a pensar logicamente sobre fatos e teorias, sobrepujaria o universo em termos de força lógica e intelectual. Mas, entretanto, por que atribuir meios humanos de estimação se o que nós estamos tentando julgar é absolutamente inumano? A lógica é facilmente inutilizada quando a atingimos num muro de inexplicabilidade cósmica. A lógica se estende e se delimita até onde nós, seres humanos, conseguimos nos expandir e conhecer física e metafisicamente. Entretanto, por sermos físicos e carecermos de qualquer potência meta — exceto o dom de imaginar —jamais compreenderemos, com a lógica humana, o sentido real da existência; jamais alcançaremos qualquer verdade absoluta, porque quando o raciocinar esburaca-se em paredes impenetráveis, tampa-se os buracos com relativismos e pluralidade de verdades. Não se busca uno tendo possibilidades infinitas de conhecimento. Por mania, ou mera pilhéria, nos contentamos em permanecer divididos.
     Não se admite a impotência do pensar. Para nós, o pensar é a única coisa capaz de explanar as nossas dores existenciais e as raízes do viver. E se for exatamente o oposto? Proponho-me a pensar nisso. E se, na verdade, a única forma de experienciar as verdades do tudo é o sentir? Sem linguagens, padrões ou códigos arrebatadoramente complexos, lógica ou sentido? E se, para sermos plenos, tivermos que nos assemelhar ao universo? Não conhecer, não se assumir indivíduo ou um ser, mas naturalmente entregar-se a algo que mesmo a existência tem medo? O que seria isso, afinal de contas? A morte? Teria de ser. Visto que, sem exceção, tudo que existe precede o seu próprio fim. E mesmo o tempo é refém da morte. Então, ela criou tudo? A morte é o zero da criação? O ponto inicial que estava lá antes mesmo de estar? E o que continuará mesmo quando tudo acabar? A morte não existe por si só. É a ausência da vida, e, justamente por não existir, poderia ser o princípio do tudo. No início dos inícios, nada existia — e a morte é o nada. É, também, a escuridão. Não precisar-se-ia de um Deus para se criar a morte, nem o nada, já que, se há a morte, um Deus onipotente não poderia existir. Se tudo o que existe morre, caberia a Deus também morrer. E dessa forma, a morte seria infinitamente mais poderosa.
     Mas, então, de que maneira a morte traria e cultivaria a vida no seu próprio espaço infrutífero, dando-lhe permissão para crescer? Não conseguiria responder isso sem entregar uma resposta ridícula e desprezivelmente metafísica. Pela lógica, não conseguiríamos esclarecer a precedência de Deus, do Universo e da Morte. São as naturezas mais difíceis e paradoxais de se atribuir um início, pois isso não apenas levantaria indícios ainda maiores de irrelevância humana como nos faria vivenciar um ciclo infinito de antecedências e choques existenciais. E o que criou o quê? É a barreira de nossa inteligência. Uma sacana covardia de não aceitar a falta de soluções por meios humanamente pensantes. E, por mais fundo que seja esta vala bloqueadora, que dá nós em nossos cérebros, talvez não seja tão difícil declarar que haja uma forma de percepção diferente da nossa. Sem as nossas palavras, significados, anseios, sentimentos, sensitividade, imaginação ou visão. Poderia a nossa consciência ser o modelo mais básico dos projetos conscientizadores deste plano cósmico. Algo que ainda está constantemente evoluindo, mas longe de desvirtuar de anos de costumes, tendências e heranças terráqueas. Longe de se tornar distinta de sua erudição vetusta.
     Estamos fazendo comédia com a vida. Usando o humor para justificar a ausência divina; a ausência do significado. Estamos pilheriando o tempo todo com o niilismo, o suicídio, o pessimismo. As saídas emergenciais causadas pelo entendimento absoluto de que não há entendimento absoluto, e que morreremos mais milhões de gerações para se avançar um passo sobre o que é o pleno e o eterno. E não! Não se precisa de muito para saber. Basta apenas morrer para se obter a plenitude — e não estou falando do suicídio, a morte prematuramente marcada, afinal, para todos nós, existentes, somente aguardar é o bastante para morrer. Contudo, uma vez morto, a morte renuncia a pronúncia e a expressão humana para lhe conceder o entender divino. No núcleo, no vaguear entre a vida e a inexistência, abençoará-te e dirá:
     Escolha uma porta. Por uma, você volta à vida, mas sem quaisquer lembranças deste lugar e do que aprendeu aqui. Por outra, conceder-te-ei tudo aquilo que sempre ansiou, todo o conhecimento mais jocoso, puro e sublime, entretanto, privado serás da vida e jamais passarás novamente por aquela porta.
     E sufocado por este sentimento agridoce do saber e, simultaneamente, do não saber, enlouquece inúmeras vezes por dia. Reza e suplica para Deus, para o Universo, para a Morte ou qualquer divindade, chorando em busca da resposta derradeira, sabendo, entretanto, que nunca receberá coisa alguma e terá por conta própria se afastar do absurdo. O absurdo de querer existir num lugar escasso de relevância até para o próprio lugar.

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