quarta-feira, 5 de setembro de 2018

A Vida da Arte

zerochan link

A massa é a vida da arte, não o artista. Pois a qualidade de um projeto é medida por seu eco influenciário — e, ao considerarmos que imagens populares moldam a opinião final do rebanho, técnica se dilui na mais complexa conspiração de achismo e gosto pessoal. Na crítica, nessa inserção pleonástica de "construtividade", haverá apenas uma linha genérica de ideias e predefinições rústicas, arquitetadas no intuito malicioso de guiar tendências para um encaixe individual. Raramente observam lampejos genuínos de artisticidade, visto que obras revolucionárias sempre se apresentam como controversas, provocativas, incompreensíveis, insanas e, portanto, impraticáveis como objetos entendíveis para a intelectualidade popular. São tratadas, inicialmente, como pretensões desnaturadas; tentativas supérfluas de originalidade, entretanto, com o tempo, muitas eventualmente abraçam o valorizo da idade e, quando dissecadas, examinadas e mastigadas para a compreensão comum, são encarecidas. Mas comum torna-se o esquecimento para títulos subversivos — e a maioria se desintegra na angústia e no desprezo de pessoas enfurecidas com motivos os quais nem mesmo elas sabem explanar racionalmente. Na verdade, instintivamente reprimimos o incomum porque estamos condicionados a reproduzir padrões e estilos antes estabelecidos por uma quantidade massiva de indivíduos. Portanto, numa situação de adaptação, análise e exploração, tendemos a nos afastar daquilo desconhecido e potencialmente ameaçador para com nossos códigos, a fim de, apenas mais tarde, depois de absorver, conhecer, digerir tal assunto, positivar uma opinião.

E para aqueles que vagam nas bordas da arte, experienciam logo de súbito o encanto polêmico, sem saber ao certo, com a falta de absoluto que as expressões humanas garantem, o que diabos fora aquilo. O encanto, contudo, origina-se da abertura à pluralidade de perspectivas, da compreensão não garantida, mas ambiguamente desafiadora, cuja astúcia força além da malha tradicional e transcende um nível aonde os aventureiros da arte implorariam ir. Porém o cruel destino do singular sempre será a rejeição do presente — e a fama póstuma. Não somente o tempo como, também, a morte enriquece uma obra ou um autor. A massa identifica uma necessidade piedosa de contemplar e vangloriar a falta de algo, considerando um anseio natural ao que é escasso e limitado. E muito mais confiável estimar o valor de uma coisa ao prenunciar a sua ausência e notar o quão alto o leilão emocional subirá do que arriscar-se na incerteza da oscilação do mercado e mortificar o ego por não ter correspondimento coletivo. Se as nossas opiniões não tiverem semelhanças, estariam elas erradas — ou todas as outras estariam, menos a sua? Assim o efeito Manada assume posições relevantes e cria a ficção que quiser, manipulando, com a força geral, qualquer um que se oponha e empunhe argumentações sólidas contra o desejo de todos

No fim, quem apoia, ou mesmo quem cria a arte rara, estará errado, já que a lei do povo é a voz de Deus. Deus, portanto, colocado como a autoridade máxima de todo regimento existencial, é soberano e incontestável. Porém, esse Deus, o criado pela voz da maioria, é burro, manipulável e ignorante e sempre se direcionará para a escolha mais débil e ilógica, mais emocional e tendenciosa. Sabemos que, talvez devido a uma piada infame da natureza ou por puro caos, a minoria intelectual ou controla o mundo ou é justamente a injustiçada (por ser reduzida e mesmo favorecidamente inteligente não conseguir penetrar a cegueira e a surdez seletiva das pessoas tradicionais). Desta forma, dotes cognitivos não prometerão o sucesso de nenhuma investida inovadora, mas a provável recusa e frustração de não ser correspondido, com a promessa de retorno eventual. Mas o envelhecimento é uma aposta dupla e pode trazer tanto o resultado do esquecimento irremediável quanto o do cultuamento exagerado, embora seja inegável a probabilidade elevada da primeira opção. A fina abertura garimpa apenas os privilegiados e, ironicamente, dá mais espaço para o comum do que o raro. Retaliações sacrificam os excêntricos.

Em um ato pilhérico, a massa roga pelo surgimento do incomum, mas condena-o por não ser capaz de compreendê-lo e, neste ciclo irônico, cultua o comum, ao passo que o ofende, pede o contrário, e recusa-o quando surge. E vive-se infindavelmente no próprio paradoxo da padronização da arte. Almeja desconstruir o construído, contudo tem medo da destruição. Enforca-se na própria sabotagem, intensamente desejando ser diferente, apesar de regar a semente da mediocridade. Só que muito mais cruel e infeliz é o destino do ordinário: 

a insignificância.

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