sábado, 1 de setembro de 2018

A Manhã Mais Cinzenta de Todas


Hoje eu acordei como um velho. Embora costume despertar de modo oposto — como uma criança ingênua à obscuridade da existência —, hoje eu não completei o meu ciclo cotidiano e renasci, conforme faço ao longo de todos os dias. Algo deu errado — e esse erro é profundamente danoso para o acúmulo de minha idade. Sem o reinício, continuo a subir a escadaria da pressão do dia anterior, a persistir na coleção do estresse existencial, substancialmente palpável a cada degrau consequente. Todos os dias, nasço criança, morro velho. Acordo bem, termino mal. Hoje acordei mal. E agora todos os meus pensamentos se direcionam ao mesmo término diabolicamente intrusivo, onde as proporções são imensuráveis quanto ao sofrimento. Desperto deste modo, percebi o vazio, difundido em invisibilidade, que silenciosa e diariamente circunda o quarto; mas nunca fiz questão de notá-lo. Ouvi-o sussurrar nos meus ouvidos quentes que nada tenho materialmente; nem espírito atrevo a nutrir, pois meu anseio material soterra qualquer espiritualidade divina; que careço de artefatos metálicos, de exorbitantes quantias digitais — ou escritas em papel; e todo ser no meu patamar temporal é naturalmente favorecido pela escolha humorística da vida — entretanto excluído terei de ser, pois quando considerado um errante vive-se cada dia como o mais azarado dos seres. Enxergo — confirmou ele — cada agrado, cada conquista, como uma ilusão sentimentalista, um apego desesperado para não se perder na floresta da mente e suas raízes escorregadias. E nada tenho, mesmo tudo tendo, porém de tudo correndo a fim de enganar a própria riqueza. Dessa forma, de fato serei desafortunado, e a piedade de Deus residirá nos meus ombros, cobrirá-me e iluminará a minha singularidade miserável. Deposito a minha dor no banco do Salvador, crendo fielmente que Ele me abandonou, e o meu ato não é nada mais senão uma contradição das mais nobres e paradoxais.

Quando olhei o céu, pareceu mais cinzento que outrora. As nuvens o desabitaram, deixando-o limpo e melancólico, solitário e desprezado. O vazio, com os seus murmúrios demoníacos, retirou o vigor de minhas pernas. Elas não querem levantar da cama porque choram a doença do sofrimento e intentam somente o permanecimento neste descanso prolongado, tendo, por fim, o objetivo de me letargiar do corpo à alma. Choraria se pudesse o fardo de todos os meus dias de culpa inerente, gritaria se pudesse o desesperado rogo pela intervenção miraculosa. Mas tantas vezes à noite supliquei para nunca deixar de acordar criança, entretanto hoje abri os olhos como o mais amargurado velho. E vi no espelho uma imagem que não desejei contemplar nem na última manhã. Foi a minha alma aquilo que enxerguei no vidro? Completamente crua e preconceituosa? Ou ainda era eu, dentro da mesma casca noturna?

Idealizações utópicas em colorizações ingênuas flutuando pelo embriago supostamente produtivo do amanhecer — tudo isso acolhia a minha manhã e poupava-me do abismo. Sabia eu, entretanto, que no fim do dia o destino profetizava as mesmas linhas do livro sagrado, sem desentortá-las; e mil vezes, nesta rotina de notívago, teria de encará-lo, sempre com a mesma expressão, com o exato desespero, num estado incorrigível de destruição gradativa e alegórica. As horas, antes pré-determinadas a apitarem sob a ordem das estrelas, marcaram cedo a chegada do profundo e inquietante breu. E eu o fitei quando os pombos nem acordados estavam para celebrar o confronto maligno e declarar justamente a paz como vencedora soberana; mas nada venceu. Minha alma estava há dezenas de anos morta. O que relampejava vida era um fantasma — e indigno a esse mundo era perante as leis universais.

Era um condenado à miséria póstuma? Havia de pesar, detido pelo ódio da verdade. Vivi para enxergar que estava, então, morto e abstêmio do sagrado? E que Deus, o infinito e bondoso que ignorou minhas preces, jamais cumpriu insignificâncias justamente por ser um reflexo da fatalidade humana e não ter qualquer vivência em sua própria realidade? Deixou-me anos e anos numa jornada sacrílega para eventualmente descobrir o abandono do sobrenatural? Para odiar o piso dos meus pés e o piso do meu espírito?

Odiei cada segundo contável da manhã mais cinzenta de todas, pois existir nela significava habitar o mundo onde a justiça é uma balança desregulada, posicionada numa mesa disposta às bestas. Onde o culto ao favorecimento frívolo, num almejo imbecil de fantasias desordenadas e imperfeitas, é a tendência do rebanho amanteigado. E o abatedouro adia-se indeterminadamente naquele que seria o terreno absoluto para a matança. Poderia no chão o sangue escorrer dilúvios se assim a existência fosse justa e imperdoável, desta maneira sorriríamos diariamente ao nascermos velhos e morrermos crianças — afinal, aliviaríamos toda a repugnância e a maldade, descascando-as, liquefazendo-as, dando, por conseguinte, nascimento à pureza e imacularidade não do adolescente (que desperta ao meio-dia e falece às sete), nem da criança, mas do recém-nascido e do feto, cuja chegada anteciparia o regresso ao estado de natimorto.

Estar morto ao nascer extinguiria a ordem de qualquer começo e emancipar-nos-ia da culpa divina e da escravidão terráquea que Ele nos condenou ao ser considerado. Logo o apocalipse humano prenuncia o abraço da velhice e o seu pecado intrínseco, para, com fúria, aguardar o julgamento e, rebeldemente consciente, o patíbulo.

Mas você se acaba antes do mundo.

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