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A solidão tem me sido uma companheira devota desde o meu nascimento, mesmo quando eu, um pequeno bebê, sequer havia capacidade de pensar sobre ela. Possivelmente a pressentia, mas o que são os sentimentos se você não puder compreendê-los? Apenas um aglomerado de sensações físicas que contribuem para o desenvolvimento do cérebro?
Eu acredito que, para alguns seres humanos, em sua maioria (in)felizes dotados de uma exagerada percepção mental, a solidão não se caracteriza apenas como um complemento de nossa riqueza emocional ou condição social, mas como um aspecto inexoravelmente natural da alma humana. Tão presa em suas raízes que, sem nem mesmo ponderar, tal indivíduo carregaria esse fardo consigo eternamente, espiando apenas fragmentos de seu comportamento, os quais jamais o permitiriam refletir sobre os seus significados. Nunca questionaria o porquê e morreria em seu próprio isolamento, com uma alma inesperadamente elevada perante os comuns e de conhecimento abundante, enterrado por importunidades e sofrimento. Renegado pela sociedade, pela vida e pelo existir.
Entretanto, há aqueles que abraçam a solidão conscientemente. Não se sabe ao certo se indivíduos como esses são reféns de uma condição naturalmente solitária e apenas não sabem ou, por não terem outra coisa senão o absurdo e o desgosto da existência, tornam-se, então, seres isolados. É, de fato, muitíssimo curioso analisar alguns de seus comportamentos. Por que alguém, cuja vida poderia ser facilmente social e regada por prazeres mundanos, abstém-se de tudo e de todos para se colocar num terrível estado de isolamento e, portanto, amargura? Mesmo a plenitude de nada valeria se não pudesse ser compartilhada, visto que um deleite pessoal morrerá no involucro do próprio ser. Observo, na verdade, uma tendência ao conformismo, pois absolutamente qualquer ser com consciência pode sofrer. E é muito fácil sentir desespero, tristeza, agonia, melancolia. São sentimentos não apenas comuns como excessivos e encontram-se na maioria das situações (mesmo nas mais felizes se pode extrair a infelicidade). Talvez — e isso é um talvez muito certo de que é um talvez — haja uma enorme consolação em aceitar que a vida é deprimente e que, se você conhece o fundo do poço tão bem, então de forma alguma poderá temê-lo. Olhará para todos os seres abençoados, os casais, e revirará os olhos de propósito. Sentirá admiração, mas a conterá com desprezo.
Como poderia sentir-se mal estando vazio se o vazio se tornou uma condição aceitável?
Mas não é sempre que você tem a escolha de guinar o seu sofrimento para outra direção. Às vezes, sofrer é simplesmente o que há. O que corrobora imensamente com o fato de abraçar a própria solidão com fervura e, com ódio, recusar todo o amor da humanidade. É a nobreza que sorri para você, a alegria de estar sozinho por querer, por decisão própria, e não exterior, e não de ninguém, e não do mundo. Jamais se sentirá de fato sozinho, pois a solidão se ofertará como companheira leal. Ela o ajudará a enfiar inferno abaixo toda a dor no peito que você sente ao olhar aqueles tipinhos de pessoas animadas, tão vazios quanto sua própria situação.
Não é simples sofrer por querer, pois contradições nunca são sensatas e precisas, nunca trazem resultados verdadeiros e únicos. Quem diz gostar de sofrer, mente, afinal a própria palavra esclarece que dor prejudica e não ajuda. Na verdade, é algo mais próximo da autopiedade, do autodesprezo, do que qualquer outra coisa! Aaah, o meu amor nunca aparecerá, portanto devo morrer sozinho jogado num canto fétido e tóxico!
Fácil notar o quão paradoxalmente covardes são essas pessoas e os seus medos de assumirem o desespero e o anseio por aquilo que elas tanta evitam; da fraquíssima argumentação em torno do isolamento, a fim de justificar um desejo reprimido de se socializarem, de obterem tudo aquilo que as pessoas comuns, os casais, as famílias, têm. A escolha desses indivíduos é, consequentemente, uma desculpa débil e nebulosa que não convence nem a eles mesmos. É a forma de, opostamente, sofrerem menos, de se isolarem menos. A aceitação soa como um pedido de socorro, que roga pelo envolvimento de uma entidade capaz de tirá-los do buraco infindável. Dadas circunstâncias, de mãos abertas eles aceitam essa condição fictícia, cuidadosamente alimentada por falsas justificativas, e jamais se desprendem dela. Vivem amargurados, sozinhos, e nem mesmo a imortalidade conhecerão. Agravam o próprio enfermo, com a intenção contrária! Enquanto, a níveis inconscientes, juram estarem utilizando psicologia inversa quântica, eles simplesmente aprofundam o buraco do poço e depois se enterram nele. Dizem ao mundo que não precisam de alguém, que não precisam preencher a necessidade afetiva dentro deles, que tudo estará devidamente bem se, na jornada silenciosa e sofrível nesse solo em brasas, seguirem sozinhos. Evoluirá, se tornará singular e incrivelmente sábio, entretanto carecerá de qualquer essência e afeto humano. Desvirtuará ao nível de se tornar um ser de outra raça, o qual não encontrará mais abrigo no mundo e nem irmãos. Verá a natureza como uma dádiva inacessível, verá os animais como bestas, os seres humanos como criaturas rústicas e ultrapassadas, verá o céu como uma atmosfera de composição diferente da sombria névoa que existe na sua mente. Tudo se tornará tão distante que o mais delicado toque quebrará o espaço-tempo e o seu senso de lógica. De sua boca apenas sairá grunhidos distantes e impossíveis de se entender. Os seus olhos apenas verão matéria escura e pequenos pontos brilhantes. O inofensivo, que antes você evitava com temores, será mortal e cruel, e apavorará o âmago da sua sanidade.
Chorará por infelicidade e toda a tristeza soará mil vezes mais pesada e tóxica. No fim, o vazio, cultivado virtuosamente, terá proporções maiores que a si próprio, engolindo-o, aniquilando-o. Num piscar, a imensidão do seu sofrimento absorverá o universo, e o sentido de seus dotes intelectuais, mesmo o mais longínquo e importante, se perderá.
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