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A necessidade afetiva é uma força terrivelmente manipulativa. Anseios de amor podem guinar as suas crenças contra o seu próprio rancor e virtuoso conceito de isolamento eterno, tornando-o um punhado de ações impulsivas e estúpidas. Não o amor belo, jovem, ardente e otimista; o mais intenso, violento e infeliz amor de todos: aquele impossível de ser correspondido, cuja extensão dura muito mais do que o suportável. A velhice não seria o suficiente para apagar o fulgor letal dos tempos de jovens - pelo contrário, amargaria dez vezes mais o ressentimento. Amores como esses são incrivelmente comuns para certas pessoas e, dado sua banalidade, têm uma tendência anormal para fomentar frustrações - muitas intermináveis. Os efeitos deste fenômeno surgem justamente por causa da alta sensibilidade do indivíduo em observar e absorver, e as causas flertam diretamente com a síndrome da consciência exagerada, pois um ser humano com tal capacidade aumentaria um olhar em mil, se assim conseguir, um cumprimento em flerte e uma aparente singularidade individual em um chamado do destino para o seu altar amoroso. Aparentemente, enxerga-se um exacerbado egocentrismo espreitando esses seres. Boa parte de suas decepções nascem especificamente disso, afinal, um egocêntrico mal informado e péssimo entendedor é responsável pelos maiores equívocos sociais que um millennial pode cometer. Enxergam o rosto delicado e divino de uma mulher, interceptam o seu olhar e instantaneamente se veem entrelaçados profunda e longinquamente com essa pessoa. O laço, entretanto, cria-se apenas no pobre incompreendido. Vejamos um pequeno contato assim: quando se cumprimentam, ambos entram num jardim, e nele pode-se plantar as mais variadas plantas e árvores afetivas, de acordo com a vontade do agricultor. O terreno possui o solo mais fértil do planeta, que germina em uma velocidade impossível de se determinar, mas incapaz de fazer crescer qualquer coisa que não seja lançada em sua superfície. Os incompreendidos são excelentes agricultores e anseiam por enterrar sementes o tempo todo. Mas, naquele lugar, criações não compartilhadas são meros enfeites supérfluos que lotam o espaço, sufocam e esperam para apodrecerem. Quando a outra parte nada planta, não corresponde seus esforços imaginários e suplicantes - o que é absolutamente compreensível e precisa acontecer -, a plantação apenas lhe tira a respiração. E dói. Dói visceralmente.
No fim, muitos atribuem a culpa a alguém que não seja a si mesmo - ou mesmo ao mundo, à vida, à existência, à sociedade, ao sistema, até à própria família! Tragicamente, embora se possa colocar culpa em qualquer coisa, a maior parte é oriunda da própria personalidade do incompreendido. É devido a sua própria perspectiva que os fatos se desenrolam injustos e insensíveis. Ninguém é obrigado a compartilhar amor, se assim não desejar. O amor, além de suas raízes fisiológicas e inconscientes, também é um recurso de significação existencial da alma humana. Jamais deveríamos nos apegar àqueles que são essencialmente rasos para com nossas necessidades. Injusto seria amar sem amar. Injusto seria corresponder o incompreendido.
Arde o desejo e tudo parece ser brilhantemente escrito para aquele momento. A peça de teatro revela-se lustrosa e dourada! Convida-o ao definitivo momento que mudará, finalmente, sua vida! O resplendor belo e flamejante, o batucar incansável do coração, a dormência do corpo e a massagem de dopamina no cérebro. Você sente tudo! O amor ascende e resgata a luz das profundezas lúgubres do seu cerne. Então é verdadeiro? Está acontecendo? Corresponderá, então, magistralmente? O fim da incompreensão e o nascer da atenção, da literariedade, das aventuras, do esbanjar de sensações químicas que prodigiosamente assemelham-se com as doses altíssimas de drogas? Onde a perfeição atinge sua nota máxima e sonoriza a melodia mais sublime e significativa de todas?
Não.
Não é obvio? A mudança já teria acontecido. Um azarado jamais acertará os números da loteria porque a matemática, a probabilidade e o próprio indivíduo garantirão o fracasso de sua tentativa. O espiral de degradação é contínuo, a frustração nunca cessa. O incompreendido não sabe jogar, não é capaz de identificar oportunidades amorosas e intencionalmente se fará de desentendido para sofrer mais, visto que tomou gosto pelo sofrimento e pela futilidade. Aproveitará a deixa e rotulará a todos de fúteis, superficiais e tolos. Para ele, aqueles que conseguirem amar estão, na verdade, atuando um mal elaborado e inconvincente filme de baixo orçamento. Estão fingindo, encenando para preencher o vazio da consciência humana e a urgência fisiológica de seus corpos, no intuito de preservarem a ordem natural da vida. Mas como ele gostaria de ter tudo aquilo; a superficialidade, a frivolidade, a vulgaridade! Largaria mil vidas, venderia duas mil almas, tudo para degustar uma parcela insignificante do amor que outros experienciam. Enamoraria o sentir; o tocar; o contemplar; o acariciar; o conversar; o trocar; o corresponder; o ser correspondido; o fazer amor; o abraçar; o cheirar; o alisar; o experimentar e, acima de todas essas coisas, o amar e ser amado.
Mas aquele sorriso, e aquelas bochechas, e aqueles olhos, e aquele nariz, e aquele cabelo, e aquele delicado contorno de seu rosto, e aquela pele, e aqueles seios e todo aquele corpo jamais pertencerão ao incompreendido.
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