segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

A Importância da Futilidade

zerochan link

     Sempre que posso, em medidas mundanamente convencionais, tento-me preencher de profundidade e saber. Faço uma refeição semanal de literatura, música eterna e, de sobremesa, belisco a mais emblemática arte cinematográfica que seja possível consumir. Mas, com o tempo, toda a pureza soma-se demasiada num indivíduo projetado para ser impuro. A instalação de um peso inicialmente imperceptível, mas que cresce em proporções irregulares, começa a incomodar e a parecer supérfluo. Compreendo, então, que o acúmulo do que é profundo, imortal e intelectual é apenas uma forma exacerbada de enganar a si mesmo, costurado a justificativas existenciais que, embora façam sentido, jamais sustentam-se na vida real. E mesmo que a lógica desses atributos beire a irrefutabilidade, um simples pisar no cotidiano é capaz de desmantelar todos os pilares de intelectualidade que suportam essa fantasia mesquinha e individual. A futilidade é a antítese da importância, e ela pode ser encontrada infinitamente em todos os seres minúsculos que habitam este universo. Há futilidade até mesmo numa pessoa inteligente; entretanto raramente observa-se lampejos de complexidade em uma quantidade vinte vezes maior de pessoas. Trata-se de uma mania supersticiosa, da imprecisão de se medir a vida, pois uma vez exposto que a existência é, na verdade, simplificadamente banal e acidental, pensar se torna um mero luxo, uma mera vontade de agregar ao desnecessário. Dessa maneira, tendemos a sobrecarregar profundidade, perdendo essência em vez de superficialidade. Eu diria que a intelectualidade excessiva nos emburrece, complicando aquilo que é naturalmente simples.
     A vida fora projetada para ser fútil — e não se precisa mais do que isso para vivenciá-la adequadamente. No fim, a música eterna não soará mais tão infinita, e as canções ruins, anteriormente julgadas por serem pretensiosas e culturalmente irrelevantes, começarão a fazer mais sentido. Depois de um tempo, você começará até mesmo a cantá-las. Divertirá-se com a infame piada que tal situação criou, abstendo-se da hipocrisia e mergulhando nas possibilidades de um mundo real, cuja presença é inegavelmente acolhedora. A poesia não parecerá mais tão útil e, junto com o abstratismo, desvanecerá das suas necessidades atuais, pois a comida bem preparada encherá mais barriga que palavras prodigiosas e eremitas. Afogado por constantes viagens, mesmo o cinema sairá da rotina e não significará nada além de fantasia desimportante.
     Longe da virtude do pensar, finalmente torna-se livre o corpo da mente. Nesta tênue e improvável separação, é quando um ser eterniza sua ascensão espiritual e existencial. Afinal, o espectro de ações somente exerce influência no campo físico. A realidade é inimiga do pensamento.
     Não é propriamente terrível ser sábio, mas somente quando a sua felicidade não depende de futilidade. É evidente que sabedoria e inteligência sempre foram benéficas para com a humanidade, embora muitos dos gênios sequer puderam deleitar suas repercussões. Entretanto não basta apenas ser intrépido, precisa ter uma mente suficientemente aberta para a aceitar a injustiça do tempo. Quanto mais você sabe, mais aprende, mais sobrecarregado se torna. Não temos uma alma infinitamente espaçosa, de corredores intermináveis onde sua memória possa transitar livre e fácil. Muitas vezes, esse sobrecarregamento é demasiado infeliz, pois é composto de reflexões, teorias e ideias que não tem qualquer peso na realidade. Na realidade onde existimos. Onde vivemos, sobrevivemos. A realidade realidade é simples, puramente corriqueira e desinteressante. Quando tanto conhecimento não encontra um ponto de sustentação, ele começa a ser distorcido — ou acumula-se ao ponto de estourar. Quando o peso da sabedoria é insuportável, descarregamos-o no mundo real para, imediatamente, ser descartado por pessoas triviais. Não se precisa ser um gênio para martelar um prego ou para cumprir uma carga de oito horas diárias num fast-food. E se a vida não permite que suas ambições tomem liberdade, você é obrigado a abraçar os restos; a insignificante e besta motivação da sociedade: continuar sobrevivendo, mesmo que custe qualidade ou singularidade.
     É difícil encontrar semelhanças existencialmente profundas num mundo moldado pela frivolidade, num mundo em que não se importa o quão múltiplo ou valioso você ou seus estudos sejam. Mas dá para compreendê-lo, não? Pessoas simples enxergam sua totalidade sem mesmo notarem, apenas vivenciando-a. Elas não buscam afirmações teóricas e rebuscadas, mas fatos que exercem significado em seus modos de vida. Não se importam se o sol é uma estrela cuja força gravitacional atrai todos os planetas do Sistema Solar, pois este conhecimento não mudará o calor que os aquece. Logo, se não há uma função ativa em suas vidas, carece de qualquer abraço intelectualizado de compreensão. Este restringimento de informação e conhecimento, embora soe fruto de uma ignorância primitiva, é benéfico para a saúde mental de um cérebro projetado para cumprir suas necessidades mais primárias. Senão pela consciência, estaríamos no mesmo patamar de macacos. Elevar o valor de um presente amaldiçoado e casual unicamente assegura o surgimento de temores, dúvidas, indagações e, portanto, loucuras. Arrastamo-nos à arrogância quando ultrapassamos o vale do comum. Um desejo fictício de se conectar com o longínquo, aspirações de ser importante. Tudo para disfarçar o medo de ser alguém fútil.
     Haveria de ser mais feliz abstendo-se da pureza! Retornando-se ao comum, ao viver real! Esquecendo-se da imortalidade dos papéis! Deletando, num ato insanamente controverso, a pequena parcela de profundidade que os anos lhe trouxeram! Onde a conversa flui simplória, humorada e idiota, e o único temor no chegar das onze horas é que, no dia seguinte, a futilidade não vá embora, visto que você finalmente a entendeu e agora consegue compartilhar a sua importância.

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