sábado, 4 de agosto de 2018

O Crime da Necessidade

zerochan

Em uma epifania odiosamente real, de um intangível segundo de consciência, foi-me revelada a estupidez da completude de uma libido subdesenvolvida e juvenil. O entorpecimento nebuloso do tempo enaltece os valores de um acontecimento, danando-o ao ponto de adulterar a sua construção emocional e cronológica. A sobrevalorização da perda é o funesto quarto que abriga ocultamente a armadilha do apego, da fantasia, e elimina, num equívoco amargo, emoções cultivadas para um futuro dourado. E depositar uma confiança exacerbada nesse jogo dramático de relações fragmentadas e emburrecidas conduz senão ao eterno exilo do tentar — à prisão do ódio, da misantropia inexorável.

A tempestade de vultos e divisões oculares evidencia o caos ilógico de sentimentos extintos — e que deviam permanecer no mais absoluto breu da terra sufocante; o líquido intragavelmente agridoce transporta incentivos errôneos, mal interpretados pela fidelidade humana anêmica, pendurada por um fio de dignidade individual; mas a culpa é inerentemente ligada a quem ingere-o. Não abstêm-se das consequências aqueles que exerceram indubitável ação na realidade; tampouco torna-se menos inválida a gravidade de seus atos ao construir desculpas psicodélicas de inconsciência. Estamos sempre pagando, mesmo quando a dívida é dividida. Em profundos e irreparáveis erros entramos durante o caminhar no vale da transcendência, e, para o amargor posterior, a memória da desgraça nunca abandona uma mente programada para colecionar tragédias.

Mas, de repente, num deleite absolutamente infernal, se recicla uma ideia outrora implantada pela causalidade, centenas de vezes mais amadurecida! E percebe-se a fragilidade do outrem; e percebe-se a insignificância de um intento que fora prolongadamente nutrido por reflexões e justificavas de terceiros, nunca pessoais; e percebe-se que, no fim, amar é um produto da falha existencial de não perceber a sua desnecessidade para com os clamores da alma. Amar não preenche alma, não salva; condena. A emboscada emocional do vazio jamais trará quaisquer benefícios, somente ilusões pautadas em desesperos fisiológicos. Uma decapitação silenciosa jaz no inferno da relação recíproca; quando não a sua, a do companheiro. Todos terão as cabeças cortadas quando admitirem o absurdo de se viver numa corrida cultural e socialmente desenvolvida para embriagar um indivíduo e redirecionar o seu destino à aniquilação espiritual.

O crime da necessidade pode ser perdoado quando recheado de motivações nobres e elaboradas? Quando, desesperado, enganou-se a si e ao diabo para provar o êxtase da perversão e do instinto animalesco? E que, absorto no tesão jocoso dos corpos jovens, só queria se atolar ainda mais no mundo de indecência e retalhos pornográficos de poucas horas revelado? Centenas de conceitos enraizados e crenças complexamente construídas — tudo destruído por um levar mundano, por uma busca aliviante do desejo bestial do coração. E, irônica e paradoxalmente, em outro levar, retomou ardilosamente a sua personalidade normativa a fim de conquistar um pedaço colapsado do passado. "E com qual propósito?", se perguntou, alimentando a dúvida da possibilidade. Entretanto, no fundo, sabia que aquilo era descartável, não possuía qualquer amparo na realidade, contudo insistiu, sabendo que desejava o oposto: o mundo antes descoberto; não aquela piada de intimidade forçada, não aquela paranoia por companhia, não toda a melosidade alcoólica, e sim a banalidade ilícita da necessidade sexual.

A ilegalidade e a corrupção traz-nos perspectivas anormais da vida, e o medo do incerto cruel e esverdeado que a violência, em seu estado primário de repentinidade, pode nos prover é excentricamente excitante. Pois muito mais digno aniquilar-se na sujeira do seu eu cru, sem filtros e concepções intelectuais — que camuflam a singularidade no cerne humano —, no júbilo máximo do acaso, do que ensaiar um papel finito e inconclusivo que nos leva ao universo artificial do amor fatídico.

Se para amar é necessário enlouquecer, no asilo da sanidade eu envelheço até morrer.

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