sábado, 29 de dezembro de 2018

O Mundo Apático


O que vou lhe contar é uma tolice pessoal — que, julgo eu, precisa ser escrita. E como já posso adivinhar, é possível que nem mesmo uma ponta de interesse tenha surgido em você, agora, neste parágrafo. Pois para que precisaríamos nos importar com tanta dedicação aos outros quando seus assuntos não se conectam emocionalmente conosco? E concordo com você: não precisamos. Descartemos, de início, essa famigerada empatia; para nós ela arranja apenas fardo excessivo e contrafeito de emoções alheias, não é mesmo? Não é uma aptidão superestimada? Ou muita comentada, mas pouco, principalmente devido aos nossos mecanismos egoístas, praticada? Não lhe condeno! É, de fato, dificílimo praticá-la! Quer dizer, ao constatarmos que mal temos tempo para controlar a vida que nos permeia, quando se é minimamente possível exercer domínio sobre alguns aspectos externos, e o delírio corre solto quando desviamos a atenção, não deixamos de empatizar por pura malignidade, e sim porque, se o fizermos, estaremos abnegando uma parcela do existir por outro existir — e qual a garantia que o nosso existir será reciclado tediosa e infinitamente como sempre nos contaram?

Quando uma vez surgiu a dúvida e colocamos à prova o Ser transcendente (o qual não é absolutamente aceito) e o Seu porquê, passamos, também, a considerar a possibilidade amarga de termos somente um prazo de validade, que acaba e não se destraga. Assim, é difícil dedicar-se a outra vida sem dividir a sua. Quem o faz, admito, é corajoso! E muito o admiro! Não tem medo da incerteza fatídica! E não teme a sugestão mórbida da efemeridade única, sabendo que, se tomar a decisão inexata (a qual não agrada, não conduz ao prazer ou a qualquer significado), pronto estará para enfrentar um destino conturbado, contraditório e irreparável, um auto-feitiço; para chegar a um momento onde se apercebe, ao choro e ao remorso, que misericordiosamente deveria ser gratificado com uma nova chance e, portanto, uma segunda rodada; entretanto encontra unicamente desamparo e a completa asfixia do arrependimento. Oras! Mas e se não houver nada para escutá-lo senão a surda morte? Ou melhor: e se existir algo que não considera a sua entidade útil nem para ser reciclada? E, através da onipotência paradoxal, te dissolver e extinguir, como se nem mesmo outrora tivesse pisado com esses átomos volúveis neste solo terráqueo? Um Deus terrivelmente ofendido por toda superfluidade dos cultos exacerbados e as crenças ineficazes para criar a Sua mitologia e provar a Sua autossuficiência? Por que Ele precisaria se mostrar compreensível para conosco se está além de qualquer construção humana e tudo o que achamos Dele é neurose e pensamento nosso? Pois não é a benevolência um conceito do homem e é de uma totalidade miserável se buscada em nossas mentes? Amamentada por bipolaridades? Um critério de comparações e percepções e modos humanamente pensantes, que conseguiria se expandir com a matemática e a lógica se estas não fossem limitadas quanto à sensação e ao subjetivismo. Poderia vida ser algo ruim, e não bom. Tudo ter sido criado como um inferno, e não um céu. E estamos para sofrer por decisão natural.

Então, sim, de acordo: não temos a necessidade de empatizarmos com os interesses de outrem, visto que já estamos assustados demais com a história de que, tempos atrás, éramos amebas, e agora somos macacos com córtex pré-frontais desenvolvidos; e o mundo à nossa volta desenvolveu um universo próprio com um conjunto de leis próprias, fazendo-nos se apartar das determinações cósmicas para alcançar a mundanidade banal em que todos somos forçados a beijar para viver sem ofertar-se ao abismo. E gera-se, assim, dois universos! Ambos subsistem e são partes de si, porém individualizaram-se a nós pela insuficiência racional de se atribuir significação exata e não contraditória. E não é a imaginação um poder divino para se criar realidades e universos? Afinal, se não estudarmos a vida enquanto mundo, quem dirá explorar a inenarrável parede sideral do motor imóvel?

E isso me faz meditar: poderia alguém amar convictamente sem exceções? Não expus o quão aterrador pode ser o futuro daquele que ousar a devoção por um outro ser e que mutualidade emocional é o desespero fantasiado de empatia? Talvez... Talvez para alguns o sentido seja exclusivamente este: o amor. E porventura esse sentimento transcendente e elevado seja o único presente de Deus, já que além de inatingível é destrutivo, quimérico, impraticável e, acima de tudo e todos, o maior devaneio que o homem já tivera.

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